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Ouça a história de Maria Elisa e Lorenzo:

No dia 25 de janeiro de 2019, o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão em Brumadinho, Minas Gerais, resultou no maior desastre humanitário do Brasil. Uma das lutas que desde então as famílias instauraram na busca por justiça e memória é para que o total de vítimas seja oficialmente reconhecido como 272 - e não 270. Uma luta pelo reconhecimento dos filhos não nascidos das vítimas que morreram grávidas no desastre, e da dor que veio dessa perda.

Maria Elisa Melo, filha de Eliane de Oliveira Melo.
Lorenzo Almeida Taliberti, filho de Fernanda Damian de Almeida e Luiz Taliberti Ribeiro da Silva, todos mortos em decorrência do crime.

Para conhecer mais sobre cada história, clique abaixo nos nomes:

 

 

Conheça a história de Maria Elisa, escrita pela família como se fosse contada por ela: 

Oi, pessoal! Vou contar um pouquinho da história da minha mamãe para que vocês entendam o que eu significava para ela e para toda a nossa família. 

Nossa família, os Oliveira Melo, era muito simples e tinha como patriarca o vovô Elias, um retireiro. A esposa dele, a vovó Maria, trabalhava como doméstica na sede da fazenda. Juntinhos, eles educaram os filhos com valores de fé, honestidade e resiliência. 

No ano de 1992, aos 49 anos de idade, o vovô Elias teve um enfarte na frente dos meus tios e tias e faleceu. A vovó Maria se viu viúva aos 44 anos e, de herança, ficou com 6 filhos, com idades entre 9 e 22 anos. A mamãe contou que, na luta para continuar a vida, a família teve que se dividir para conseguir se manter. Só quando minha priminha, a primeira neta, nasceu, foi que a família voltou a se unir e, a cada chegada de uma criança, se fortalecia ainda mais. Em 2018, a vovó já tinha 5 netinhos e seus filhos estavam cada vez mais unidos. Imagine só todo mundo reunido! Deveria ser bom demais! 

Chegou a parte que eu gosto demais, que é falar sobre a minha mamãe. Ouvi dizer que ela vivia em festas, cavalgadas, encontros com amigos, shows de rodeio, desfiles de bois e leilões de gado. Curtia muito a vida e era rodeada por amigos, com um sorriso largo e o melhor abraço do mundo, cativava todos ao seu redor. A tia Josy sempre brincava que a mamãe era onipresente. Ela estava sempre nas baladas, mas conseguia ir à casa de todos, nem que fosse por cinco minutinhos, para levar um bolo, uma fruta, chocolates e balas. Ela era um grande exemplo de persistência, perseverança e alegria. Trabalhava como engenheira civil em obras no Rio de Janeiro e em várias cidades de Minas. Nessa época, eu ainda não estava com ela, mas posso imaginar que ela era uma pessoa maravilhosa. 

A titia falava que, em 2018, com a crise no setor de construção civil, a mamãe começou a trabalhar em uma empresa terceirizada da Vale. Sinceramente, eu não entendo muito bem desses assuntos de gente grande, mas o que eu soube é que o titio Lelis e a titia Josi já trabalhavam na mina da Vale há anos. 

Sobre a história da mamãe comigo, ouvi dizer que foi assim: um dia, inesperadamente, a mamãe foi até a casa da titia Joana, que era a irmã confidente, e disse, bem assustada, que estava grávida. Imaginem o susto, já que a família era muito tradicional. Imagino que foi uma mistura de emoções naquele momento: alegria pelo fato de eu existir, e aflição porque a mamãe estava em um trabalho recente e engravidou de um relacionamento que não tinha a cumplicidade com meu papai. Essa parte eu não sei explicar muito bem, então prefiro deixar para quando eu for grande e entender essas coisas dos adultos. A titia Joana apenas nos abraçou bem forte com o jeitinho acolhedor de sempre. Juntas, choraram, e a titia viu ali a possibilidade de se realizar como “mãe-tia”, já que não poderia ter filhos. 

Mamãe era tão querida que as titias Joana e Josi acompanharam com ternura os primeiros exames. O som do meu coração era tão rápido que até eu mesma me assustava. Parecia que algo estava errado; o doutor disse que a gravidez era de risco, já que a mamãe tinha 39 anos e diabetes gestacional. Foi assim que a vovó Maria soube que vinha mais um bebê na família. No mesmo dia, a vovó nos acolheu com um abraço bem gostoso e disse sorrindo: “Este bebê veio para acabar com sua vidinha de balada”. 

Daí em diante, uma disputa saudável começou com os planejamentos do enxoval, o quartinho do bebê, o berço na casa da vovó Maria, da titia Joana, o chá de fraldas, tudo com decoração country. 

No início de dezembro, a família toda foi acompanhar a ultrassom para saber se era menino ou menina... O médico do ultrassom assustou e falou: “Uai, o chá de revelação vai ser aqui?”. Todas as minhas tias, a vovó Maria, primos, todos ansiosos para ver e descobrir o sexo do bebê. O som do coração calou a todos e foi possível ver a minha mãozinha e um gesto que marcou a todos, um tchauzinho do bebê aqui. 

A revelação de que eu era uma menina fez a mamãe chorar muito, mas entre risadas e brincadeiras, ela sorriu e disse: “Nada de rosa nesta menina, pelo amor de Deus...”. Ali mesmo, a revelação do nome foi feita; se fosse um menino, chamaria Elias para homenagear o vovô. Sendo mulher, a homenagem seria para a vovó Maria. Assim, temperada com um pouco do nome do pai, eu me tornei naquele instante Maria Elisa, o novo pacotinho de amor e esperança. 

Há coisas que não dá para explicar. Acreditem, no Natal, mamãe escreveu tipo um diário agradecendo a Deus pela oportunidade de gerar um bebê e se realizar como mãe, e deixou escrito: “Maria Elisa, minha eterna companheira”. 

No dia 20/01/2019, em uma cavalgada de São Sebastião, a última foto da mamãe foi tirada com destaque para a barriguinha que me aconchegava bem quentinha. Na foto, mamãe olhava para o céu como se pressentisse que seria a nossa nova morada. Acho que ela já sabia que nos tornaríamos estrelinhas... 

Daqui do céu, eu vejo que passei rapidinho pela Terra para encher de amor e esperança e ser a eterna companheira da mamãe, até nos momentos mais difíceis. Teve um momento em que ouvi um barulho muito feio e, naquela hora, a mamãe me segurou tão forte que fiquei sem entender. Daí para frente, não consegui entender mais nada, não escutava nada. 

Depois que virei estrelinha, soube que a nossa família se tornou bem mais triste sem a mamãe e eu. Havia muitas expectativas em torno do meu nascimento. Eu seria chamada de Maria Elisa Melo. Já sobre a mamãe, a tia Josy e a tia Joana sempre dizem que ela será sempre uma inspiração, pois se tornou um exemplo de garra, coragem, determinação, resiliência e amor. 

Acredito que, apesar de tantas lembranças, nossa família que ficou encontrará serenidade e poderá sorrir com tudo o que viveram juntos e honrar, todos os dias, o exemplo irradiante deixado pela minha mamãe. 

Sempre escuto daqui de cima sobre a saudade do que poderia ter sido e dos momentos que não foram vividos. O que a mamãe e eu tentamos passar em energia é que todos sigam olhando para o céu e nos vejam como lindas estrelinhas que os iluminam, e que, em algum momento, nos reencontraremos e voltaremos a nos abraçar com o amor e a ternura que é a marca da nossa família. 

 

Maria Elisa_editada

 

 

Conheça a história de Lorenzo, contada pela família em um poema 

Nossa história com Lorenzo 

Era dezembro de 2018
Chegou um envelope em casa, remetente da Austrália, o outro lado do mundo.
Lá de longe veio um cartão que trazia uma grande novidade...
Um bebê que escreveu!
Nossa, bebê escreve?
Sim! 

E o que esse Bebê escreveu?
Ele dizia que era o mais novo membro da família.
Contou que estava crescendo muito rápido na barriga da Mamãe Fernanda. 
Mamãe Fernanda estava encantada e eufórica por estar grávida.
Contou também que Papai Luiz estava ansioso para conhecê-lo e muito feliz com sua chegada. 

E o que mais o Bebê escreveu?
Que queria muito conhecer os avós, as tias, o tio e o primo.
E que ia chegar ao Brasil em janeiro, ainda na barriga da Mamãe Fernanda. 

Os avós e as tias do Bebê estavam loucos de curiosidade. Será que era menina ou menino?
O Bebê dentro da barriga da sua mãe dava boas gargalhadas... ele sabia que era menino! Mas só ele sabia, mais ninguém. Era um segredo que ele estava guardando para contar quando toda a família estivesse reunida. 

E foi uma festa! 
As vovós, os vovôs, as tias, o primo, todos ficaram muito felizes quando souberam que o Bebê seria um menino!
E que meninão!!!

Mas e qual seria seu nome?
Bento? Que nome lindo, mas não... já tinham nascido
muitos Bentos naquele ano.
Aí vovô Joel gritou “Lorenzo!”
E não é que vovô acertou? 

Eu sou Lorenzo!
Como estou feliz de ver minha família toda reunida – vovó Terezinha e vovô Joel, tia Daniele, tio Murilo, o primo Pedro, vovó Helena e vovô Vagner, tia Camila e tia Ciça.
Quero muito estar com eles, receber seu colinho, seu carinho e muitos mimos! 

Mas de repente alguma coisa muito grave aconteceu, parece que Mamãe Fernanda se machucou e Papai Luiz também.
Percebeu que já não estava mais com Mamãe Fernanda, ela parece que dormiu e não conseguia ver Papai Luiz.  

E Lorenzo sentiu um friozinho, como se fosse um ventinho no rosto e parecia que estava voando. 

Voou, voou, voou ... 

E agora ele é um anjo! 


 

Lorenzo_foto para Casa Lilian

 

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