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O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) suspendeu a aplicação da tese do Tema 91 do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). A tese, fixada em outubro de 2024, obrigava a comprovação de tentativa de solução extrajudicial de conflitos como requisito para o ajuizamento de ações envolvendo relações de consumo, limitando o acesso direto dos consumidores ao Judiciário. A suspensão foi em março deste ano.

No último dia 4 de abril, o 3º vice-presidente do TJMG, desembargador Rogério Medeiros, admitiu recurso especial interposto pelo MPMG, que questionava a constitucionalidade da tese.

“A admissão do recurso suspendendo a tese representa um marco importante na defesa dos direitos dos consumidores, reafirmando o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição. Agora, cabe aos tribunais superiores consolidar esse entendimento e garantir que mecanismos extrajudiciais sejam incentivados, mas nunca impostos como pré-requisito ao acesso à Justiça”, afirma o promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e coordenador do Procon-MG, Luiz Franca Lima.

Histórico
O IRDR Tema 91 foi instaurado para uniformizar a jurisprudência mineira sobre a necessidade de comprovação da tentativa de solução extrajudicial em demandas de consumo. Em outubro de 2024, o TJMG firmou tese exigindo que, antes de acionar o Poder Judiciário, o consumidor comprovasse ter buscado solução por meios como: SACs, Procons, agências reguladoras, ou plataformas como o consumidor.gov.br. A não comprovação dessa tentativa resultaria na extinção do processo sem julgamento de mérito. Em situações de risco iminente de perda do direito, permitia-se a comprovação posterior da tentativa de composição.

A medida foi justificada pelos princípios da eficiência e economia processual e baseada em precedentes do STF e STJ. Contudo, críticos apontaram que a tese criava barreiras desproporcionais para consumidores vulneráveis, dificultando o acesso direto ao Judiciário.

De fato, a exigência de uma tentativa prévia de resolução do conflito diretamente com o fornecedor ou por meio de canais como os Procons ou a plataforma consumidor.gov.Br pode, em muitos casos, dificultar o acesso dos consumidores ao Judiciário. Isso ocorre porque seria necessário comprovar previamente a resistência do fornecedor em solucionar a questão, o que, em diversas situações, pode representar um custo desproporcional ao consumidor, desestimulando-o de buscar efetivamente a defesa de seus direitos.

Suspensão da tese
Os principais argumentos apresentados pelo Ministério Público no recurso que suspendeu a tese foram, entre outros, os seguintes:

Violação do Direito de Acesso à Justiça
A obrigatoriedade de comprovação da tentativa prévia de solução extrajudicial viola o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que assegura a inafastabilidade da jurisdição. Esse princípio garante que qualquer lesão ou ameaça a direito possa ser apreciada pelo Poder Judiciário sem restrições desproporcionais. A tese do Tema 91 cria barreiras práticas que dificultam o exercício do direito de ação, especialmente para consumidores em situação de vulnerabilidade.

Proteção do consumidor como direito fundamental
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é norma de ordem pública e interesse social, com status de proteção constitucional (art. 5º, inciso XXXII da Constituição).

Desvio produtivo do consumidor
A obrigatoriedade de tentativas administrativas impõe ao consumidor um “desvio produtivo”, ou seja, o consumidor é forçado a despender tempo e recursos para tentar resolver a demanda fora do Judiciário, sem garantia de sucesso, o que já é reconhecido na jurisprudência do STJ como um dano.

Vulnerabilidade Digital e Barreiras de Acesso
Além da pressuposta vulnerabilidade do consumidor, como previsto no artigo 4º do CDC, há a vulnerabilidade digital, consistente nas dificuldades enfrentadas por consumidores que não têm acesso fácil à internet ou não possuem familiaridade com plataformas digitais, como o consumidor.gov.Br. Essa barreira tecnológica pode excluir parte significativa da população do acesso a mecanismos de solução extrajudicial.

Diante dos argumentos jurídicos do MPMG, o Tribunal de Justiça mineiro suspendeu a aplicação do Tema 91 e, com fundamento nos artigos 987, §1º, e 1.036, §1º, do Código de Processo Civil, paralisou o trâmite de todos os processos que dependiam de sua aplicação, bem como determinou a remessa do feito para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), considerando a repercussão geral da questão discutida

No STJ e STF, a expectativa é que seja definido se a exigência de tentativa prévia de solução extrajudicial é compatível com o direito fundamental de acesso à Justiça, especialmente à luz do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que assegura a inafastabilidade da jurisdição, bem como do artigo 6º, VII, do CDC, que estabelece o acesso aos órgãos judiciários um direito básico do consumidor.

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Ministério Público de Minas Gerais

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