Notícias - Direitos Humanos“O projeto Tenório representa um divisor de águas na vida das mulheres negras contempladas”, afirma conciliadora Karine Keila
Ações desenvolvidas pela Coordenadoria de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação (Ccrad) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em seus quatro anos de existência têm importância destacada por contribuírem com a promoção da igualdade racial e da diversidade no estado
Em novembro do ano passado, a bacharel em Direito e conciliadora Karine Keila Chaves, de 41 anos, soube, por meio de um colega de estudos, do lançamento de um projeto que concederia a pessoas negras bolsas de estudo em curso preparatório para a carreira de promotor de Justiça no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
À época, ela, que havia trabalhado por quatro anos como conciliadora no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), já tinha decidido se dedicar exclusivamente aos estudos para concurso, mas não imaginava que seria contemplada com uma bolsa. “Esse colega me mandou mensagem dizendo que ouviu sobre o projeto na rádio e que na hora se lembrou de mim, porque eu me encaixava no perfil. Como não tenho redes sociais, pedi para ele me dizer quando o edital fosse aberto. Ele então me avisou em dezembro, eu preparei a documentação, me inscrevi, mas sem esperança de que fosse conseguir”, recorda.
Contudo, “quando as coisas têm que acontecer, elas acontecem”, como afirma a própria Karine, e ela acabou sendo selecionada para uma das 15 vagas. “Eu fiquei muito feliz. É uma oportunidade maravilhosa que eu quero aproveitar ao máximo”, destacou.
Criado pela Coordenadoria de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação (Ccrad ) do MPMG, no âmbito do programa antirracista institucional “Sobre Tons”, o Projeto Tenório é realizado em parceria com a Educafro Minas e a Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais. Além da bolsa de estudos, a iniciativa concede auxílio financeiro mensal de R$ 2 mil durante o curso aos selecionados e assistência psicológica. Também disponibiliza computadores e Vade Mecum – livro que reúne leis e normas jurídicas, essencial a estudantes e profissionais do Direito.
Na avaliação de Karine, a ação afirmativa criada pelo MPMG é de grande importância para a promoção da igualdade racial e de gênero no estado. “O projeto Tenório representa um divisor de águas na vida das mulheres negras contempladas, porque ele é uma oportunidade imensa de crescimento intelectual e profissional que ajudará muito cada uma delas a conseguir uma boa vaga no mercado de trabalho”, avalia.
A bacharel chama a atenção também para a desigualdade de oportunidades de estudo e trabalho para a população negra no país. “A discriminação é uma realidade no Brasil, e as pessoas negras – especialmente as mulheres –, mesmo com toda a qualificação necessária, têm que provar, todos os dias, que são capazes, que têm conhecimento”, observa.
Para ela, é fundamental que as instituições públicas abram espaço e promovam a diversidade em seu quadro de pessoal, se desejam atuar de forma mais efetiva junto à sociedade. “A troca de conhecimento e de bagagens entre as promotoras e promotores brancos e as promotoras e promotores negros que entrarão na instituição é o que permitirá a soma de olhares e a realização de um trabalho de maior excelência pela instituição”, aponta.
Quatro anos
No último mês, a Ccrad completou quatro anos. Apesar de seu curto tempo de existência, o órgão, criado pela Resolução PGJ nº 5, de 10 de fevereiro de 2021, já contabiliza uma série de projetos e ações que têm a importância reconhecida por representantes da sociedade civil e integrantes da instituição, em razão dos impactos gerados na promoção da igualdade racial e da diversidade em Minas Gerais.
O programa antirracista Sobre Tons, desenvolvido em parceria com a Assessoria de Comunicação Integrada (Asscom) do MPMG, compõe essa lista. Ele busca contribuir para o enfrentamento do racismo a partir da disseminação de conteúdos educacionais e ações antirracistas dentro e fora da instituição. “O Sobre Tons representa um marco histórico tanto para o Ministério Público mineiro quanto para a luta antirracista em Minas Gerais”, afirma a coordenadora da CCRAD, promotora de Justiça Nádia Estela Ferreira Mateus.
Além de pílulas informativas divulgadas, ao longo de 2023, para o público interno do MPMG, o programa já possibilitou a realização de sessões de cinema comentado, de exposições artísticas junto à Fundação Clóvis Salgado, de um podcast, além da divulgação de campanha contra o racismo durante os jogos do Campeonato Mineiro de 2024, entre outras ações e eventos.
Um dos entusiastas da iniciativa dentro da instituição é o procurador de Justiça Geraldo de Faria Martins da Costa, da Procuradoria de Justiça Cível. Ele destaca a importância do programa para a garantia do direito à igualdade estabelecido na Constituição Federal. "O Sobre Tons, iniciativa pioneira do MPMG, ao se consolidar, potencializa a necessária divulgação social da luta antirracista e fortalece a cultura da igualdade, constitucionalmente assegurada”, declarou.
Direitos fundamentais
Na lista de projetos desenvolvidos pela Ccrad, nestes quatro anos, há outros que também se destacam, como o Glossário Antidiscriminatório, o Projeto Giro, o Redes de Cidadania, o Olhares diversos e o Diálogos transversais. Todos eles têm como foco a missão constitucional do Ministério Público de tutelar os direitos fundamentais, especialmente dos grupos mais vulnerabilizados social e historicamente, e de combater todas as formas de discriminação.
De acordo com a promotora de Justiça Nádia Estela, um dos maiores desafios enfrentados pelo órgão é o choque entre as normas, fundamentadas em valores democráticos e pluralistas, e as tradições e práticas sociais, ainda marcadas por concepções preconceituosas e coloniais. “Essa tensão exige a criação de mecanismos que possuam uma abordagem multifacetada e abrangente para dar conta de enfrentar esse fenômeno complexo da discriminação que se apresenta de diferentes formas e atravessa as mais diversas esferas da sociedade”, observou.
Na opinião dela, a criação da Ccrad representa um passo decisivo dado pelo MPMG. “Ao assumir a responsabilidade por lutas históricas das populações vulnerabilizadas, o MPMG se posiciona ativamente para romper os ciclos de racismo, homotransfobia e outras formas de discriminação que permeiam nossa sociedade. O combate à discriminação não é apenas uma questão legal, mas um compromisso moral e histórico que devemos honrar diariamente”, pontuou.
Atribuições
No dia a dia de sua atuação, a Ccrad promove a diversidade e a igualdade racial por meio de uma série de atividades, como: assessoramento dos órgãos de execução do MPMG no combate à discriminação, parcerias para implementação de políticas afirmativas, projetos educativos de mobilização social, monitoramento e fiscalização de políticas públicas, além de produção de dados que subsidiem a formulação dessas políticas.
Seus projetos ampliam o debate e fortalecem o combate à discriminação. Saiba mais sobre eles:
- Sobre Tons: é o programa antirracista do MPMG, que busca sensibilizar em relação às pautas raciais por meio de conteúdos informativos e combater o racismo. Trabalha o letramento racial dos integrantes da instituição e de toda sociedade, além de realizar ações artísticas, culturais, educativas e ações afirmativas.
- Projeto Tenório: tem como objetivo estimular e promover maior equidade racial entre os promotores e promotoras de justiça do MPMG. Por meio dele, são concedidas bolsas de estudo na Fundação Escola Superior de Minas Gerais (FESMPMG) a pessoas negras interessadas em prestar concurso para a carreira de promotor de Justiça do MPMG, além de auxílio financeiro e assistência psicológica.
- Glossário Antidiscriminatório: idealizado no âmbito do Grupo de Trabalho AntiLGBTQIA+fobia do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, nasceu da necessidade de difusão de informações e saberes como estratégia de fomento de uma comunicação não discriminatória. Foram elaborados e publicados cinco volumes: Diversidade Sexual e de Gênero; Pessoas com Deficiências e Pessoas Idosas; Raça e Etnia; Equidade de Gênero e Combate à Violência Doméstica; Outras Formas de Discriminação. O vestibular da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest) de 2023 fez referência ao volume 1 do Glossário.
- Redes de Cidadania: busca fortalecer o debate antidiscriminatório nas cidades do interior de Minas Gerais, empoderar as redes locais de defesa de direitos, incentivar a criação e o acompanhamento de instâncias de controle social na área da diversidade e igualdade étnico-racial. Viabiliza, ainda, o conhecimento sobre outras realidades municipais, aproximando o MPMG de demandas ainda distantes da capital mineira.
- Giro: visa combater o racismo estrutural e proteger os direitos dos povos e comunidades tradicionais e de todas as pessoas que professam as religiões de matriz africana. Realiza encontros formativos e de mobilização social, juntamente ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), para o levantamento de dados e capacitação dos povos e comunidades de Terreiros e Casas de Matriz Afrorreligiosas de Minas Gerais.
- Olhares Diversos - Grupos de Trabalho que debatem e propõem estratégias institucionais de enfrentamento ao racismo e à LGBT+fobia no MPMG, a partir do envolvimento de representantes de diversas áreas de atuação da instituição.
- Diálogos Transversais: cria um espaço de diálogo com a sociedade civil organizada, de forma a aproximar o MPMG de lideranças sociais, organizações populares, movimentos e outras iniciativas sociais e populares engajadas com o combate ao racismo e à LGBTfobia no estado.