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Não é incomum que, no lugar de buscarmos a experiência, a vivência daqueles que nos antecederam como algo precioso

 

Vania Samira Doro Pereira Pinto, promotora de Justiça, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Promoção dos Direitos das Pessoas Idosas e das Pessoas com Deficiência

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Um caso recente chama a atenção para a realidade avassaladora de que pessoas idosas no Brasil estão cada dia mais vulneráveis a situações de abusos e violência: um senhor, numa cadeira de rodas, em uma agência bancária, acompanhado da sobrinha para realizar um empréstimo. A cena passaria despercebida se não fosse um único detalhe: o senhor estava morto.

Sem querer adentrar nas nuances específicas do caso em si e se de fato houve ou não alguma ilegalidade praticada por parte da sobrinha, o caso é, no mínimo, emblemático.

Segundo dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, que opera o “Disque 100”, no primeiro semestre de 2023, houve aumento de 38% nas manifestações que reportavam a prática de violência contra pessoa idosa em comparação com ano anterior. Foram cerca de 35 mil notícias registradas no país. Este ano, segundo o mesmo órgão de registro, já são mais de 42mil apenas nos três primeiros meses de 2024.

A violência, na imensa maioria dos casos praticada por familiar próximo, normalmente aquele responsável pelos cuidados ou familiar que coabita com a vítima, não está restrita à agressão física, forma mais perceptível e conhecida, mas se manifesta de muitas maneiras, como a violência psicológica, a negligência, o abuso financeiro e patrimonial, a sexual e a discriminação.

É fato que, em diversas oportunidades, a violência se manifesta como uma reação do cuidador às situações de exaustão ou mesmo despreparo para lidar com o contexto de cuidados necessários. Também não é incomum que os abusos decorram de desconhecimento sobre direitos e/ou deveres envolvidos na relação de convivência.

Em todos os casos, é preciso observar o impacto do etarismo ou idadismo nos relacionamentos entre gerações.

Etarismo ou idadismo é a discriminação baseada na idade ou no envelhecimento e, como diversas outras formas de preconceito, encontra-se enraizada em nossa sociedade. Não é difícil perceber que, em uma sociedade estruturada na necessidade extrema de consumo, de novidade atrás de novidade, na qual um objeto que não seja novo, recém-adquirido já não atrai mais, tal dinâmica não passe a ditar também as relações humanas.

Não é incomum e nem causa espanto que, no lugar de buscarmos a experiência, a vivência daqueles que nos antecederam como algo precioso, como privilégio, vejamos a pessoa idosa e tudo o que ela tem a dizer como superado ou superável e, em certo ponto, até mesmo descartável. E essa descartabilidade se irradia por todas as relações, inclusive para normalizar a violência, especialmente as mais silenciosas, que não deixam marcas aparentes, e a discriminação.

Esse caminho, além de perverso, é perigoso e certamente atingirá a cada um de nós em algum momento. Não nos esqueçamos: estamos envelhecendo a cada segundo. Com esse objetivo, de chamar a atenção para a existência de violações dos direitos da pessoa idosa e divulgar formas de denunciá-las e combatê-las, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 15 de junho como o Dia Mundial de Conscientização sobre a Violência contra a Pessoa Idosa.

É necessário o combate aos abusos e a violência nas suas manifestações mais primárias para que aquelas mais graves não cheguem a acontecer ou, quando acontecerem, sejam devidamente reprimidas.

É necessário que a sociedade esteja atenta e alerta, também priorize a qualidade de vida, juntamente o bem-estar de todas as pessoas, especialmente daquelas que não só contribuíram para que tenhamos avançado até aqui e ainda contribuem na medida em que podem nos ensinar com seus acertos e principalmente por seus erros.

É necessário virar a chave social para perceber que a novidade é maravilhosa e atrai de forma apaixonante, mas só a experiência, a sabedoria e a maturidade podem nos trazer o equilíbrio para apreciarmos de verdade o que é novo.

O Ministério Público, enquanto órgão incumbido também da defesa dos valores mais importantes ao corpo social, trabalha diariamente na promoção de direitos da pessoa idosa e na efetivação das políticas públicas de proteção. Se você tomar conhecimento ou presenciar situação de violência ou abuso contra pessoa idosa, denuncie!

Artigo originalmente publicado no jornal Estado de Minas, no dia 15 de junho de 2024

 

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